domingo, 16 de fevereiro de 2014

Eu nem te amo



É estranho como sinto saudades quando você vai buscar água. Aqueles segundos que separam o resto das suas canelas se perdendo no corredor com o pulo que você dá na cama.
Aí você volta cheio de pressa em se livrar de mim e eu penso que tudo bem. Você tem pressa até de se livrar de você mesmo. O problema não deve ser eu. E eu nem te amo mesmo.
Sua voz é chata e seu papo então, insuportável. Respiro aliviada e sugo o máximo de você, pra ter a certeza absoluta de que não é você. Não sonhei com você. Não quero passar minha vida ao lado da pessoa mais estranha do mundo.
Não é você. E lá vem você me olhar apaixonado e, no segundo seguinte, frio. E me falar para eu não sofrer e para eu ir embora e para eu não esperar nada e para eu não desistir de você. E eu me digo que não é você. Porque, se fosse, meu sono seria paz e não vontade de morrer.
Me despeço, já sem aquela dor aterrorizante, das partes de você que mais amo. Ainda que eu nem te ame mesmo. E me despeço das partes da sua casa que eu mais amo. Ainda que nada disso seja amor.
O mundo não suporta mais esse meu não amor por você. Meus amigos espalmam a mão na minha cara e já vão logo adiantando que se eu pronunciar seu nome, eles vão embora sem nem olhar para trás. Remédios só me deixam com um bocejo químico e a boca do estômago triste, mas não tiram você do meu coração. E escrever, que sempre foi a única coisa que adiantava para os dias passarem menos absurdos, já se tornou algo ridículo. Escrever sobre você de novo? De novo? Tenho até vergonha. Nem eu suporto mais gostar de você. E olha que nem gosto.
É como se o mundo inteiro, os ventos, as ondas do mar, os terremotos, as criancinhas peladinhas brincando de construir castelinhos na areia , os carros correndo nas estradas, os cachorrinhos meditando nas gramas de todos os parques do mundo, a chuva, os cartazes de filmes, o passarinho que canta todo dia de manhã na minha janela, a torta de palmito na geladeira, a minha vizinha louca que briga com o gato na falta de um marido. É como se o mundo inteiro me dissesse: “hei, ninguém agüenta mais esse assunto! Chega!”
E no meio da noite, quando eu decido que estou ótima afinal de contas tenho uma vida incrível e nem amava mesmo você, eu me lembro de umas coisas de mil anos e começo a amar você de um jeito que, infelizmente, não se parece em nada com pouco amor e não se parece em nada com algo prestes a acabar.
Lembro da sua jaqueta com um coringa nas costas e do seu cabelo espetado igual ao sol, do cheiro que você tem bem no centro da nuca, do gosto amargo de menino que tem pressa de tomar banho que você tem bem no fundo da orelha.
E então, no meio da noite, enquanto eu penso tudo isso, eu pergunto ao mundo todo que não agüenta mais esse assunto. Ao mar, às criancinhas peladas, aos cartazes de filmes, ao passarinho, à vizinha, aos cachorrinhos em meditação, à torta, aos carros, à qualquer um...eu pergunto: por que é que vocês todos estão tão cinza? Por que é que vocês não me ajudam? Por que é que todos vocês também ficam tão tristes quando ele vai embora? Por que é que todos vocês também morrem quando ele vai embora? Por que é que todos vocês também amam ele?

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